C. S. Mourão
Não é novidade: o “politicamente correto”, para o bem e para o mal, se consolidou como um dos pilares da retórica pública contemporânea, especialmente em ambientes institucionais, afetos ou não ao direito. No entanto, sua aplicação indiscriminada levanta questões relevantes sobre a autenticidade, a liberdade de expressão e, também, sobre a integridade argumentativa no campo jurídico.
Uma constatação autoevidente, embora simples, é profundamente reveladora: se algo precisa de um advérbio para ser considerado correto, é porque correto – correto mesmo! – não é. Essa percepção, que pode até soar obtusa à primeira vista, desnuda uma contundente contradição essencial — a de que a correção política, muitas vezes, não passa de um mero verniz linguístico aplicado unicamente para evitar desconfortos, angariar simpatias ou sustentar narrativas, e não para afirmar verdades. O modo político, o politicamente, é exata[mente] e magicamente esse verniz, atuando como uma prestidigitação dolosa.
A linguagem jurídica deve ser, antes de tudo, clara, precisa e honesta. O jurista – real ou politicamente falando – não pode se dar ao luxo da ambiguidade calculada, tampouco da dissimulação travestida de gentileza. Quando o discurso jurídico se curva ao politicamente correto, corre-se o risco de sacrificar a verdade em nome da aceitação – e, então, eis aí um farsante.
O papel do operador do direito não é agradar, mas esclarecer. Não é contornar conflitos, mas dirimi-los, enfrentando-os com rigor técnico e coragem argumentativa. A linguagem jurídica não pode ser um campo de evasivas, mas um instrumento de revelação – e revelação sempre pressupõe a verdade!
A própria expressão “politicamente correto” carrega em si uma confissão: a de que a correção, nela, não é natural, mas meramente construída. Não é ética, mas estratégica. O advérbio “politicamente” altera o significado de “correção”, ampliando o seu conceito para alcançar situações não necessariamente corretas; o que nada mais é do que uma mentira funcionando como uma espécie de álibi linguístico, como se a verdade fosse um crime a ser ocultado.
Se há necessidade de um advérbio para qualificar a correção, é porque a correção, por si só, não deve ser tão reta assim. O que é realmente correto não precisa de adjetivos nem de qualificações. É. E basta! (Entre o correto e o incorreto, há muito mais formas de errar do que acertar, porque o acerto e o correto, assim como a verdade, tendem ao Uno, ao passo que o erro, a incorreção e a mentira tendem ao vazio do infinito – e, eventualmente, ao calor do inferno...)
O politicamente correto, enquanto balizador das expressões humanas, serve como mecanismo de autocensura. O medo de desagradar, de ser mal interpretado ou de contrariar expectativas sociais – incluindo aí “expectativas hierárquicas” – passa a ditar o conteúdo das manifestações jurídicas. E isso é muito perigoso.
O silêncio forçado, ainda que polido, é sempre um empobrecimento do debate. A dissimulação, ainda que elegante, é sempre uma forma de omissão. E o direito não pode ser pobre ou omisso. O direito precisa ser abundante e ser dito — com todas as letras, com todos os riscos – e precisa ser preciso, acima de qualquer ênfase, por mais pleonástica que possa parecer.
É possível — e desejável — que o discurso jurídico seja respeitoso. Mas isso não exige a adoção de um vocabulário artificial, nem a renúncia à clareza. A consideração pelo outro não se confunde com a omissão da verdade. O tato não é sinônimo de neutralização do conteúdo. E a elegância argumentativa pode — e deve — coexistir com a firmeza jurídica.
O desafio ao operador jurídico está em dizer o necessário com precisão, consideração e responsabilidade, sem se curvar ao medo de desagradar. A verdade, quando bem dita, nunca é ofensiva, pois é tão somente a verdade – e, se ela dói em você, é porque talvez você não esteja tão certo assim.
Moral da história: Para ser político e correto não é preciso ser politicamente correto (até porque honestidade intelectual é um valor que não transige com eufemismos).
Em Caxias do Sul, 29/07/2025.